quinta-feira, 9 de julho de 2015

Sabina e Gervásia visitam Nha Chica

E foi lá pelo ano de l890, quando Sabina Maria da Conceição  juntamente com sua filha Gervásia que tinha cerca de 10 anos, puseram-se a caminho em direção à Baependi. Mãe e filha  saíram cedinho de casa. Eram muitas horas de caminhada, passando pelo Gamarra e subindo a Serra, até chegar a cidade. Elas moravam longe, quase debaixo da Serra da Careta e resolveram fazer no domingo uma visita especial, muito especial... 

Cumadre Nha Chica

Francisca de Paula de Jesus ou Francisca Izabel, conhecida por Nha Chica (1808-1895), filha e neta de escravos nasceu em Santo Antonio do Rio das Mortes um distrito de São  João d`El-Rey em 1808, vindo pequena para Baependi. Sua mãe recomendara a vida solitária, para melhor praticar a caridade e conservar a fé cristã. Rapazes de seu tempo pediram-na em casamento; recusou a todos, sem se mostrar contrariada; tinha uma missão a cumprir. Moça   ainda, Nha Chica já era a "mãe dos pobres", e pouco a pouco foi se estendendo a sua fama, porque os seus conselhos eram sempre muito "ajuizados".

Morto seu irmão, ela herdou uma fortunazinha, em ouro que consagrou à edificação de uma igreja, junto à casinha onde crescera e atingira à velhice. E ali era recebia a todos indistintamente, sempre alegre.

Naquela época Nha Chica  já era uma "celebridade" em todo o sul de Minas e era visita obrigatória a quem ia  de visita à Baependi. A todos ela recebia com bondade, assim como recebeu minha bisavó Sabina e minha avó Gervásia. As horas de cansaço a pé pelos caminhos  não impediram que elas viessem para tomar umas palavras de consolação e de conforto junto à velha senhora.

Era quase por volta do meio dia quando as duas chegaram à pequena casinha onde morava a "cumadre", assim ela era chamada por Sabina, para pedir bençãos e ouvir os seus conselhos...

Igreja Nha Chica, 1894

A visita

No alto da colina via-se a igreja muito modesta e nos fundos a casinha com a portinha sempre meio fechada: "Entre" gritou ela  com uma vozinha seca e fina. Então penetraram na salinha de aspecto monástico, bem asseada, bem caiada, e meio escura, porque a janela e a porta nunca abriam de todo; o chão de terra batida. A mobília constava de seis cadeiras, dois bancos de pau, onde elas se sentaram, a mesa com seis cadeiras, uma cama, sem colchão  nem lençol. Ela vivia sozinha com o seu gato. Sobre a mesa estavam umas velas de cera, castiçais de altar que ela acabara de receber como doação para sua igreja. A cumadre vestia-se com muita simplicidade e o lenço  grande envolvia a sua cabeça e o pescoço. Mãe e filha pediram benção e beijaram a sua mão seca deformada pelo reumatismo. Depois de um fio de prosa, elas deram conta que era hora do almoço. Sabina  lançou o olhar em direção as panelinhas de tropeiro que estavam sob o fogão à lenha sentindo que tinham fome, depois daquela longa jornada até a cidade. E como a hospitalidade mineira ainda era lei, foram convidadas para almoçar. Sabina pensou: "A comida não será suficiente para todo mundo, devido ao tamanho das panelas... " Seguindo o olhar de Sabina e quase lendo os seus pensamentos, Nha Chica começou dizendo: "-Eu estava fazendo a sacristia: o mestre da obra dizia-me que os tijolos não bastariam: eu rezei e respondi que os tijolos bastariam: até o último dia ele insistiu; foi a conta justinha: não sobrou um, mas também não faltou um só. O mesmo acontece com a comida. Vocês pensam que não haverá suficiente para nós todas, pois vai dar sim para todo mundo". E as três comeram a comida de arroz, feijão e taioba e ainda sobrou para o gatinho da comadre. 

A prosa continuava depois do almoço. Nha Chica tinha algumas preocupações: -Eu só tenho medo de não  poder acabar a minha igreja, por isso rezo toda noite assim: "-Vance não me engane, deixe-me acabar o frontispicío, depois pode me levar." Mas eu hei de acabar igreja, o poder de Deus é grande. E continuou. Vances viram no domingo passado como o sol estava amarelo? Dizem que foi um eclipse. Mas qual! Eu também vi na bacia, foi uma nuvenzinha preta, ruim que se pregou no sol; quem foi lá tirá-la? Só Deus, porque ele não quer o sol encoberto, nem parado. As duas concordaram abanando as cabeças.

A conversa estava boa, mas elas tinham uma promessa a cumprir e solicitaram as chaves da igreja  para depositar velas de cera e um prato de esmolas colhidas pela cidade, antes de se porem a caminho de casa. Acompanhadas por um senhor que abriu as portas  da Igreja, admiraram de como tudo estava zelosamente conservado e asseado. Quase toda sua ornamentação, imagens, vaso, órgão, lâmpadas foram ofertas feitas à Nha Chica. Ao sairem da igreja, votaram para se despedir dela que recitou: "É o Espírito que inspira, porque tenho fé viva"

Assim escreveu Henrique Monat:

"Exemplo de virtude, de abnegação, espirito de caridade, dominado pela fé, ella é uma inoffensiva buendicha, convicta, mas que nunca se quiz impor; habituram-n`a ao papel de adivinha, ella o tomou a sério e o faz sem esforço . 
Ha quem já anteveja sua beatificação e ulterior a canonização.
Santa Francisca de Baependy!
E porque não? Porque é pouco versada em política, em astronomia e metrificação?
Outros santos, menos milagrosos, foram mais pobres de espirito.
Santa Francisca de Baependy, ora pro nobis!
Amen.

Nha Chica faleceu em Baependi em 14 de junho de 1895. A campanha pela sua beatificação iniciou-se no ano de 1952 e depois de vários procedimentos eclesiásticos de confirmação de uma cura no ano de 1995 de Ana Lucia Meirelles Leite, moradora de Caxambu, que teria um problema congénito no coração e considerado muito grave pelos médicos. A cura teria se dado sem intervenção cirúrgica e foi atribuída às orações intercedidas à Nha Chica. Reconhecendo o milagre, em 28 de junho de 2012 o Papa Bento XVI autorizou a Congregação para a Causa dos Santos  a promulgar o decreto do milagre atribuído à intercessão de Nha Chica. A Beatificação aconteceu no dia 4 de maio de 2013, em Baependi. Desta forma, Nha Chica se tornou a primeira leiga e negra brasileira a ser declarada beata pela Igreja Católica.

Nota:

Todo o conteúdo do texto é real. Algumas partes do texto foram adaptadas do trecho da única entrevista de Nha Chica a Henrique Monat, cronista da época, extraídas do Livro "Caxambu" de 1894, no capítulo sobre Baependi; a outra parte vem dos relatos de Celia Lima Araujo, filha caçula de Gervásia do real encontro de Sabina e Gervásia com Nha Chica. A conversa telefônica Brasil x Alemanha foi realizada no dia 2 de junho de 2015. 
Fotos:do Livro Caxambu, de Henrique Monat. O "cardápio" servido, acrescento aqui "arroz, feijão e taioba", foi ouvido por Luiz Henrique Dióiro, também em conversas com Tia Célia. O resto foi da minha fantasia.

Solange Ayres
Kreuzau, 8 de julho de 2015, Alemanha

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Terra, água, fogo, ar, Ayres

Da esquerda para a direita: Celia Lima Araujo, Samuel Ayres de Lima, Palmira Ayres, Josino Ayres de Lima, Silvia Diório, Luiz Ayres de Lima, Maria Ayres, Silvio Ayres de Lima, Mercedes Ayres Soler, José Ayres. No centro, meus avós, Gervásia Maria da Conceição, José Ayres de Lima
















Acredito que nunca foi conhecido  casamento entre parentes na nossa família, claro que não. Pelo menos não era sabido até... Até eu achar  no mês passado em junho de 2015, a Virgolina Balbina de Lima que fora filha de João  José de Lima Silva no Censu populacional  da cidade de Pouso alto do ano de 1839, publicado pelo Cedeplar da UFMG e confrontar com o meu arquivo de pesquisas.

Virgolina Balbina de Lima foi mãe de Bernardino Lopes de faria, casado com Elvira Simões e que pelas minhas pesquisas, teve um relacionamento com a escrava Sabina Maria da Conceição, pertencente ao plantel de escravos do sogro, João  Ferreira Simões, gerando Gervásia Maria da Conceição.

Assim através da união com José Ayres de Lima, o Zé Trancador com Gervásia resultou num casamento consangüíneo, isto é, casamento entre parentes sem que eles soubessem. Ou sabiam? Não podemos dizer. Esta conversa foi feita com Célia Lima Araujo, a tia Célia o arquivo vivo de nossa família sem que ela tenha notícia ou sabido do fato.

Terra, água, fogo e ar

Normalmente a igreja era quem fazia as "diligencias" para saber saber o grau de parentesco e dar a permissão para as uniões, mas como Gervásia não tinha pai conhecido, ou melhor, reconhecido oficialmente, não puderam "detectar" a união consangüínea. Gervásia foi batizada, se nossas suposições estiverem certas, pelo próprio pai Bernardino Lopes de Faria; nas sequências dos assentos paroquiais, (vide foto) seu irmão Josino, que tinha o sobrenome de "Lopes de Faria", sendo batizado pela sua avó torta, Virgolina como comprova a certidão. Era também costume dar nome ao batizado o nome de seu padrinho, assim como também adotar sobrenomes de seus senhores de escravos, do qual eles estavam sob proteção.

Mas na história estas  uniões consangüíneas não foram raras, senão, como nós nos reproduzimos no começo da humanidade? Os cientistas estimam que os primeiros a migrar da África estavam entre 700 a 10.000 indivíduos. Diante desses números pequenos, e do fato de que essas pessoas estavam provavelmente dispersas em pequenos grupos de caçadores/coletores e muitas vezes casadas dentro de seu clã ou tribo, parece inevitável que algum nível de união entre parentes próximos tenha ocorrido. Então não fomos exceção.

No Brasil, o código civil impede o casamento de ascendentes com descendentes e de consanguíneos  colaterais até o 3° grau, o que estende a restrição a irmãos, meio-irmãos, tios e sobrinhos.

Ja a igreja por um milênio proibiu o casamento entre parentes, até o sétimo grau, com base do preceito bíblico de que o mundo foi criado em sete dias. Mais tarde, ela passou a proibir os casamentos até o 4° tomando como base os quatro elementos da natureza. E assim sendo a Família Ayres nasceu e esta sob o signo dos quatro elementos da natureza: terra, água, fogo e ar, ar de Ayres.

O casamento

Para entender o emaranhado dos parentes, montei um diagrama que facilita localizar as uniões  na família e seus descendentes.



O filho dele, José de Souza Lima, o "José Trançador" como era chamado, portanto NETO, isto é (relação de de 2°grau), casou-se com Gervásia Maria da ConceiçãoBISNETA (relação de 3° grau) de João José de Lima e Silva. As setas em vermelho indicam a linhagem da família.

Aqui em detalhes os filhos, netos e bisnetos de João  José de Lima e Silva

1- Joao José de Lima e Silva (1798-1875), Pouso Alto, casado com
    Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860) 

Filhos: 1-Virgolina Balbina de Lima (1834-?), 2-José Ignacio de Lima e Silva (1835-?), 3-Thereza Ribeiro de Lima/Jesus (1837-?),4- Rufino de Lima e Silva (1853-?), 5- Ignacia Ribeiro de Lima (?-?), 6- Maria de Souza Lima/Silva/lima de Souza (?-?) casou-se com José Fernande Ayres da Silva (que também como seu filho era apelidado de Trançador) (?-1902), 7- Francisco Theodoro de Lima (?-?),  8- Joao José de Lima (?-?).

1.1-Virgolina Balbina de Lima (1833-?) casada com
      Francisco/Bernardino/Lopes de Faria

Filhos: 1- Bernardino Lopes de Faria (1853-?), 2- Luciana de Faria (1856-?), 3- Lodgero Lopes de Faria(1858-?), 4- Lucinda de Faria (1861-?), 5- Eliziel Lopes de Faria (1862-?), 6- José de Faria (1864-?), 7- Arminda de Faria 1867-?), 8- Sabina Bernardina de Faria (1869-?), 9- Bruno de Faria (1872-),10- Maria de Faria, (1875-?, ?11-  de Faria (1875-1875), 12- Juvêncio de Faria (1877-?), 13- Escolástica/Lopes de Faria (?-1879)

2.1-Bernardino Lopes de Faria, (casado com Elvira Ferreira Simões)
      engravidou a escrava de João  Ferreira Simões, seu sogro,
      Sabina Maria da Conceição (1865-?)

Filhos: 1- Gervásia Maria da Conceição, (1881-1971), 2- Josino Lopes de Faria (1883-?),3-   Eduardo Lopes (1884-?), 4- Luiz Lopes/Nego (?-?), 5- Manoel Lopes (1886-?).

      José Ayres de Souza Lima, o José Trançador (1873-1943)

Filhos:
José Ayres, Mercedes Soler Ayres, Silvio Ayres,  Maria Ayres,  Luiz Ayres de Lima, Silvia Diório Ayres, Josino Ayres de Lima, Samuel Ayres de Lima, Célia Ayres de Lima.

Solange Ayres
Kreuzau, 7 de junho de 2015, Alemanha