domingo, 4 de setembro de 2016

Prisciliana Izidora do Espírito Santo, a boa vizinha


do Gamarra vejo onde nasci:
no  vigésimo terceiro jumento
daquela tropa de montanhas.

vejo as terras de Pouso Alto onde o sol cobre sua claridade
como os gatos cobrem as fezes.

vejo a estrada de São  Tomé das Letras os carvoeiros queimando pedras.
do Gamarra percebo melhor 
o que está a nove léguas:
  a lua
  a hormiguillla
  os pêssegos do primeiro amor


Hoje vamos contar a história de Prisciliana Izidora do Espírito Santo, terceira filha do casal Thereza Ribeiro de Jesus/Lima e José Florencio Bernardes, batizada numa manhã  de sábado, em 16 de junho de 1864, pela tia Virgolina Balbina de Lima (1833-?) e seu marido Francisco Bernardino de Faria,  na Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Ela foi minha, nossa prima de 3°grau.


Seus avós maternos, João José de Lima e Silva (1798-1875) e Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860), vieram procedentes da cidade de Pouso Alto e foram contados no Censu da povoação no ano de 1839. O documento (abaixo) enviado gentilmente pelo Arquivo Público Mineiro é o mais antigo documento comprovando a existência de nossos ancestrais. A família migrou para as terras da Comarca do Rio das Mortes, onde se encontrava Baependi. No registro já continha o nome de sua mãe, Thereza Ribeiro de Lima, com 2 anos de idade e mais 5 escravos (Veja no quadro  abaixo), que, em 22 de  julho de 1855, se casou, na Igreja Matriz de Baependi, significando que toda a família  já  tinha se mudado para o Chapeo nesta data.


Casamento do Ó!

O Baependiano
Mons. Marcos
Prisciliciana casou aos 18 anos de idade, em 13 de novembro de 1882,com Antonio José  Cassiano Pereira (?-?), fazendeiro, viúvo de Maria Candida Pereira, às 5 e meia da tarde, no altar erigido na fazenda de seu pai José Florencio Bernardes, no Chapeo, celebrado pelo Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira.

E o casamento deve ter sido mesmo um acontecimento social, pois o padrinho, o Major Luiz Joaquim Nogueira Meirelles Cobra, era fazendeiro influente na região, filho de 5a geração de Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, um bandeirante procedente da ilha da Madeira, considerado o fundador da cidade de Baependi. Seu pai, já aqui biografado como "O homem dos raios", era fazendeiro e ativo na política baependiana, colaborador em diversas vezes do Jornal "O Baependiano", com cujo jornalista e proprietário Amaro Carlos Nogueira mantinha grande amizade. Não foi à toa que seu casamento foi noticiado com grande pompa  na seção "Gazetilha", n° 261 no "O Bapendiano".


Além do Major Luiz Joaquim Nogueira Meirelles Cobra, foi testemunha José Roque de Almeida, outro também ativo da política baependiana e professor da escola de Santo Antonio do Piracicaba. Ele que veio a público se despedir de todos, quando mudou-se para Pouso Alto como professor, provavelmente designado para aquela localidade em outubro do mesmo ano. (vide anuncio).
O termo de casamento ficou arquivado com Dona Elvira Maria Ferreira, filha de João Ferreira Simões, proprietário de Justinianna e Sabina, vó e mãe de Gervásia Maria Ayres, a vó Gervásia, respectivamente. As minhas suspeitas aqui se confirmaram: as famílias Ferreira SimõesLima e Silva eram vizinhos de porteira lá no Chapeo. O seu consorte, Antonio Cassino assim como seu sogro era ativo na política. Como eleitor de Baependi constou nas listas de votação, no ano de 1884.  E para ser eleitor tinha que "ser homem de bem"  e de cabedal, isto é posses. Assim...



Histórias de família:
Falso ouro e filhos ao longo da Estrada Real

Histórias da família são sempre histórias de família, com todas as suas facetas. Os antepassados de Prisciliana pelo lado paterno pertenciam a uma longa geração de comerciantes, provindos da Região de Flandes, hoje Bélgica, que se instalaram na Ilha da Madeira. Como eles tinham boa relação com a Coroa Portuguesa, imigrarem para o Brasil no século XV, sendo pioneiros na colonização de São Paulo. Um dos descendentes dos "Lemes" saiu de Sorocaba, percorreu os caminhos da Estrada Real e  foi residir em Aiuruoca.

Sua avó Anna Francelina de Castilho (1809-1889), era moradora do quarteirão 0, Fogo 4, de Alagoa, pertencente à Aiuruoca, no ano de 1832. Anna era bisneta de Domingos Lemes Bernardes  (1767-1838) e neta de 3° grau de Domingos Lemes de Brito (?-?), este último com uma vida passada realmente apimentada. Nascido em Guaratinguetá, foi tendo filhos em estado de solteiro ao longo da Estrada Real, entre  Resende, Conceição do Rio Verde, Pouso Alto e Aiuruoca. No seu testamento diz que foi casado com sua primeira mulher Ursula Francelina de Castilho (bisavó de Prisciliana pelo lado materno)  e tiveram 12 filhos. E... mais 5 "por fora". Assim era. Este comportamento foi detectado por Saint Hilaire, em suas viagens pelo interior do Brasil.

Pelo lado da família de seu marido, parece que honestidade não era virtude. O bisavó de seu marido Antonio José Cassiano Pereira, José Cassiano  foi cobrado pelo capitão Francisco Ribeiro da Silva, morador de Baependi, por ter comprado fumo "importando em 9 oitavas e 1/4 de ouro", o qual havia lhe recebido com ouro falso, segundo o despacho, de 27 de outubro de 1803, de Vila Rica, atual Ouro Preto. Gentes... Pagou com ouro falso...

Mas Prisciliana pelo visto casou bem "nos conformes" e da união nasceram 10 filhos:

1) -  Zulmira Cassiana (1884-?)
2) - Alexandrina  Cassiana (1886-1955), casada com Antonio Joaquim Maciel.
3) -  Pedro Pereira (1887-?)
4) -  Alfredo Cassiano Pereira (1892-?)
5) -  José Cassiano Pereira (filho) 1894-?)
6) -  Casimiro Angelo Pereira (1896-1958)
7) -  Vital Cassiano José Pereira (1899-?)
8) -  Prisciliana Cassiano Pereira (?-?)
9) -  Thereza Cassiano (?-?) casada com José Arlindo de Castro.
10 -  Cecília Cassiana (?-?), casada com Abel Ferreira Gomes.

A última cerimonia na fazenda

Na época que  Prisciliana se casara, em 1882, os movimentos abolicionistas   fervilhavam na província. Na década anterior, em 1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre e os filhos de escravos, nascidos depois desta data, eram considerados "livres". Uma das beneficiadas foi a minha, a nossa vó Gervásia Maria da Conceição , que nasceu, em 1881.  Mas tão livres não eram.  Os filhos dos escravos segundo a lei, seriam mantidos sob os seus "cuidados" até a idade de 8 anos, trabalhariam até os 20 anos para... "Pagarem pela educação recebida". A lei tentava atender aos críticos da escravidão, sem prejudicar as lavouras e os interesses dos donos dos cativos. Bem, na verdade os escravos ficaram quase que na mesma situação, isto é, seriam "libertos" aos 20 anos de idade.
Do outro lado do mar a Inglaterra fazia pressão para impedir o tráfico de escravos, pois ela tendo feito a Revolução Industrial, saiu na frente na corrida de novos mercados. A fim de evitar a concorrência desigual da mão de obra paga, os ingleses exigiam que os demais países avançassem em direção ao processo capitalista de produção. Ah, não era por convicção humanitária que os ingleses clamavam pelo fim da escravidão e sim por sede de lucro.

"Recebe-se qualquer quantia, para o mais dá-se praso"

Na família de Prisciliana pelo lado materno a tia/madrinha Virgolina, que apadrinhou a minha bisavó, a  escrava  Sabina Maria da Conceição e mais outros 6 filhos de escravas, a mão de obra escrava ainda era utilizada. Mas a situação dos proprietários de escravos iria mudar. Em julho de 1886, 3 anos antes da abolição, se realizaria a última festa na fazenda do Chapeo: O casamento do irmão José Florencio Bernardes Junior com Maria Francelina de Castilho. Em agosto, seu pai colocou a propriedade à venda (vide anúncio). Ele estava vendendo tudo, casa, terras, suas vacas, monjolo e... Toda a mobília da casa! E mais, a qualquer preço: "Recebe-se qualquer quantia; para o mais dá-se o prazo." Por quais dificuldades estariam passando a família dos pais de Prisciliana?


Talvez já antevendo o futuro com a libertação dos escravos e consequente a falta da mão de obra para tocar as lavouras, José Florencio tomou a radical atitude de se  desfazer de suas posses e ir morar na cidade...

O proprietário do Jornal O Baependiano, Amaro, o seus colaboradores, e que também  eram possuidores de escravos, defendiam a dúbia posição contra a escravidão  e pediam ao governo que importassem braços europeus, no mínimo para "embranquecer" a população brasileira. Para eles a escravidão teria que ser abolida "paulatinamente", para que não houvesse uma ruptura abrupta no sistema e os escravos pudessem ser substituídos por trabalhadores livres europeus.

E a história ia sendo escrita. O movimento abolicionista ganhou grande força  na sociedade. A justiça passava a olhar com maus olhos a escravidão e os próprios escravos reivindicavam a sua liberdade. A coroa não suportando as pressões, aos 13 de maio de 1888, foi assinada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Assim o Brasil passara a ser o último país do continente americano a libertar os escravos de seus grilhões, mas não de dura vida que eles teriam a partir daquela data. Sem qualquer preparo, eles foram da noite para o dia ""libertos", mas por não terem alternativas, muitos continuaram a trabalhar para os seus antigos donos.

Esta tudo ligado...

Prisciliana bateu todos os recordes como madrinha. Sua carreira de iniciou-se aos 18 anos, quando ela foi madrinha pela primeira vez, em 1883  e continuou até o ano de 1907. Ao todo ela batizou 30 crianças e por 4 vezes foi madrinha de casamento! Em quase sua totalidade as cerimonias foram realizadas na  nossa conhecida Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Os seus afilhados de  eram na maioria filhos de fazendeiros locais, gente que tinha alguma posição social.

Em uma curiosa conversa telefonica com minha tia Josina, pelo meu lado materno,  e que hoje mora no Rio de Janeiro, relatou que a família "dos Cassianos"  era vizinha da família de meus avós " dos Gomes", no Gamara. Contou ainda que o cunhado, José Cassiano, que faleceu de um grave acidente, por ter sido atingindo no ventre por uma chifrada de boi,  foi padrinho de batismo de minha tia Ana de Abreu, casada com Tibério de Abreu, irmã de minha mãe, Arminda Maria Ayres.
José Cassiano levara o meu avo doente até o hospital de Baependi. E mais ainda, que os Cassianos compraram a parte das terras inventariadas que pertenceram aos seus pais,  isto é,  meus avós, denominada hoje Fazenda Santa Rosa e que uma remanescente, uma neta dos Cassianos ainda morava lá, em Baependi... Que Prisciliana  era uma bondosa vizinha e ajudava a todos, com alimentos e cobertores para os pobres. Segundo ela, Prisciliana Isidora faleceu já idosa de uma doença desconhecida, na cidade de Baependi, onde viveu nos seus últimos anos de vida. Seus descendentes provavelmente moram até hoje na região, outros espalhados pelo mundo, como nós.



Fonte:
Wikipedia
Projeto Compartilhar
Jornal, O Baependiano
Foto: Baependi
Poesia: Eustaquio Gorgonne
            de Ossos naives

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