domingo, 30 de outubro de 2016

As Matricarcas da Família Ayres




Algumas matriarcas existiram  na Família Ayres/Rodrigues Freitas/Pereira/Silveira.  Mas o que seria mesmo uma matriarca? O termo "Matriarca" foi cunhado no século XIX no âmbito dos estudos antropológicos, isto é a ciência que estuda o homem e a humanidade, para indicar uma figura da mulher e mãe que assume uma posição dominante num determinado grupo social. Nas sociedades modernas, as matriarcas são geralmente mulheres e já avós que tem um papel predominante, e por vezes despótico, com relação a membros da família.  Elas eram  mulheres fortes e por vezes autoritárias.  E como definiu  muitíssimo bem  Janice Drumont, nossa vizinha de frente, na antiga Rua Quintino Bocaiúva, em Caxambu

"Quase em frente de casa vivia a vó Juruva. Velha, bem velha, de nome Gervásia, cujo "erre" eu  ainda nem conseguia pronunciar, acabou batizada por mim com este nome, que quando eu dizia, todo mundo sabia de quem eu falava. Juruva pra mim significava ser velho, ter muitos rugas e ter o mesmo tanto de rugas que de poder. Era brava, não gostava que a criançada perturbasse, que atrapalhasse as tarefas domésticas, mas com ar sempre disciplinar, fazia muita vista grossa pra aprontando da meninada."


Podemos quase que estender a definição de Janice para as outras matriarcas da família. Severas, mas também generosas com os membros da família.  Elas incorporavam os valores da época, as regras sociais rígidas, o papel da mulher que devia se casar cedo e cuidar da prole e os homens trazer o sustento para dentro de suas casas.  Com o passar do tempo, elas assumiram o comando moral dentro das famílias.  Da vó Gervásia não podemos duvidar. Ela pariu 19, digo 19 crianças! Nem todos os filhos sobreviveram.  O fato já diz sobre o seu "status". Outra matriarca a tia-avó Maria José de Lima, a Mariquinha (foto, ao centro) que teve 12 filhos  e a  tia-avó Anna Ayres de Lima, a Lica, (primeira sentada à esquerda, foto abaixo),que teve nove filhos. Para lembrar, Maria José de Lima perdeu o "Ayres" e adotou o sobrenome do marido, dando origem ao Ramo dos "Rodrigues Freitas".


Todas elas tinham personalidades fortes e comandavam a casa cheia de filhos e netos. Essas mulheres assumiram também a responsabilidade financeira e trabalharam em casa ou  junto aos seus maridos para criarem seus filhos. Gervásia  era rígida na educação moral, principalmente das filhas. Em idade avançada era conselheira dos filhos homens, nas discussões mais acaloradas sobre guerras e revoluções, me contou um dia o tio Samuel Ayres de Lima.  Mariquinha por sua vez, chegou a bater na face de seu filho Romeu Rodrigues Freitas, na rua e na presença de sua mulher Ieda, por ele ter o costume de jogar cartas. Elas não eram fáceis, não, não...

Mas existiu outra matriarca, a Anna Ayres de Lima, a Aninha (segunda ao alto, à esquerda, foto abaixo), filha de Anna Ayres, a Lica, que ao contrario das outras três matriarcas, não era uma fortaleza, pelo menos no que diz respeito à saúde, mas tinha a capacidade aglutinar os membros da  família...


Porém, temos ainda uma das últimas matriarcas na família, uma relíquia para os nossos tempos: Célia Ayres Lima/Araújo. Esta vocês ainda vão ouvir sobre ela...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Torrefação de Café Meia Lua de Caxambu


Documenta -  Pesquisa Conservação e Memória

Podia ser a lua cheia, mas o dono deu o nome à torrefação de café da cidade de Caxambu de Meia Lua, talvez pelo charme daquela luinha, aquele fiapo no céu fazendo companhia  às estrelas. E mais! Um dos seus funcionários foi Romeu Rodrigues Freitas, (leia sua biografia, Romeu Rodrigues de Freitas, o Romeu apaixonado, clicando no nome)  filho de José Ramiro de Freitas e  Maria José de Lima, a vó Mariquinha, no ano de 1937, no seu primeiro emprego. É ele mesmo aí atrás do balcão, atrás dos sacos de meio quilo de café torradinho, prontos para vender.

E senta que lá vem história!

Muitas das descobertas são fruto, literalmente, do acaso.  O café foi uma delas. Segundo as informações transmitidas oralmente, um pastor no ano IX, na Etiópia, observou que suas cabras ficavam mais "espertas" comendo as frutas e folhas do cafeeiro. Ao provar, também se sentiu "mais animado" e assim nasceu a cultura do café. Tribos africanas conheciam o café e seus grãos moídos, utilizados como uma pasta servida como alimento para aumentar a força dos seus animais e guerreiros. Daí para se tornar aquele cafezinho consumido como é hoje levou ainda muito tempo. Vamos por partes.

Como o café veio parar no Brasil? O primeiro plantio da árvore ocorreu, em 1727, no Pará, Região Norte do país, e devido às boas condições climáticas, se espalhou rapidamente. O Rio de Janeiro foi o ponto de partida para as grandes plantações, ali na Mata da Tijuca, e eu vi com os próprios olhos. Depois se estendeu para Angra dos Reis, Parati e chegou a São Paulo. Em pouco tempo a região do Rio Paraíba se tornou uma grande região produtora da lavoura cafeeira no Brasil, que foi se espalhando até chegar à região fronteiriça de Minas Gerais.
O café foi uma das monoculturas brasileiras, junto com a cana de açúcar, que mais exigiu de mão de obra escrava. Após a abolição da escravatura, houve uma onda de imigração para o Brasil, principalmente de italianos, indo trabalhar como assalariados nas plantações de café. A economia cafeeira impulsionou a riqueza da região sul do país. A opulência dos plantadores permitiu a construção de grandes casarões, mansões nas cidades, elegeu políticos, financiou a industrialização no Sudeste até que a crise da Bolsa de Nova York atingiu o mundo financeiro. Os preços do café caíram bruscamente e as lavouras enfrentaram muitas dificuldades. E, para a nossa indignação, as sacas de café estocadas foram queimadas, isso mesmo, queimadas para manter os preços altos. O café deixou uma grande herança: o hábito nacional do cafezinho, principalmente em Minas, uai.
Isto é Brasil

De notícia em notícia,o café, em 1951, não ficou mais barato, pelo menos para o povo. O jornal O Patriota, noticiava:
A arte de torrar café

Mas quem toma seu cafezinho, ou o seu café com leite de manhã, não sabe que o processo de torrar café é quase uma arte. Eles chamam de "processo pirolítico", isto é, induzido pelo calor, que aumenta a complexidade química do café. Imaginem que o café verde, aquele grãozinho no pé, contém 250 variedades de aromas e, quando torrados aumentam para mais de 800! Sem o processo de torragem, não teríamos o seu "desdobramento" em tantos sabores.
Na casa de torrefação o café é submetido a um aquecimento gradual em um cilindro rotatório quente. Ao ser aquecido, o grão libera as suas essências, sendo elas transportadas para sua superfície em forma de óleos aromáticos. Se os grãos não forem torrados, as substâncias  aromáticas que estão no seu interior não se "desdobrariam", dando aquele gosto característico do café. Ha vários graus de torrefação, a leve, a média, a escura e a muito escura, referindo-se à quantidade de umidade do café. Ah, uma verdadeira ciência. A ciência explica: No processo de torração do café, há liberação de gases, e que gases! A ciência não precisa explicar, nós sentíamos. Nas imediações da torrefação do Café Meia Lua o ar se enchia do cheiro delicioso de café torrado...

Acidente de trabalho
Romeu, ainda adolescente, talvez inexperiente ou desatento, sofreu um acidente de trabalho, perdendo o dedo indicador da mão direita na máquina da torrefação. Ele costumava brincar com o fato, colocando o dedo no nariz provocando a curiosidade dos sobrinhos pelo desaparecido membro. 

Os grãos de café não o abandonaram. Eles continuaram a fazer parte de sua profissão. Como  caminhoneiro, transportou muitas mil sacas de café pelo interior das Minas Gerais. Não sabemos se Romeu tinha consciência das propriedades do café mas, como bom mineiro, sabia apreciar o produto final de seu trabalho.

Ah, descobri depois que finalizei e publiquei este texto, os proprietários da Torrefação na cidade, publicados no Jornal de Minas, de 1936. Um deles era o proprietário. Quem, ainda não sabemos.

E por ser o nosso blog interativo, recebemos preciosas informações de  Julio Caminha, em outubro de 2021, que nos ajudou a identificar fotografados. E a revelação: seu avô, Germino Caminha e seu tio José Caminha estão na foto, e claro tio Romeu. E mais! A torrefação  Meia Lua, em 1937, na época que Romeu trabalhava lá era na verdade de propriedade deles e se chamava "Torrefação Brochado". 

Façam uma visita virtual ao antigo local da Torrefação Meia Lua, na rua Manoel Joaquim, com Dr Carlos Bustamante, em Caxambu. Hoje existe somente o muro, pois o prédio foi demolido.


Agradecimentos:
Os nossos especiais agradecimentos a Graça Pereira Silveira, a nossa pesquisadora de plantão dos fatos e fotos da Família, bem como o trabalho da Thaís Silveira no cuidado do material iconográfico.
Agradecimentos também a Julio Caminha, por fornecer as preciosas informações fornecidas em outubro de 2021, que completam a história da Torrefação Meia Lua.
Fonte:
Edwin Ariel Segura Gonzalez em Monografias. com
Wikipédia
Foto:
Arquivo pessoal de Maria de Lourdes Freitas, a Belu
Revisão :
Paulo Barcala

domingo, 16 de outubro de 2016

Anna Aires Lima, filha de Anna Ayres de Lima


Documenta -  Pesquisa, Documentação & Memória
Hoje vamos abrir o embornal secreto de Isa de Souza, cheio de fotos e lembranças, recebido pessoalmente da vó Anna. O tal embornalzinho verde que foi guardado a 7 chaves e estava cheio de fotos que  chegaram de fato às nossas mãos. Primeiro elas passaram pelas mãos de Graça Pereira Silveira a Graça, num café regado a bolo e boas conversas, depois passou pelas mãos da profissional Thais Pereira, da firma Documenta, para dar o retoque final. Estas fotos contam histórias de várias gerações.  Atravéz delas recuamos com um salto no passado e o coração  no presente batendo forte com velhas as lembranças. Com vocês, Anna Ayres de Lima, a Aninha .

E no dia Internacional das mulheres...


Anna nasceu, em 8 de março, na data que hoje é comemorado o dia Internacional da mulher. No seu tempo ainda não se comemorava  oficialmente o dia,  como  conhecemos hoje, pois a data só foi  instituída, em 26 de agosto de 1910, durante a Conferencia Internacional das Mulheres Socialistas, em Copenhagen, pela líder socialista alemã Clara Zetkin.

Mas o dia internacional da Mulher ia ter outra data. No dia 8 de marco de 1911, 146 trabalhadoras de uma fábrica de tecelagem nos Estados Unidos morreram num incêndio, a maioria costureiras. O incêndio foi considerado o pior  da história de Nova York.  No momento do trágico acontecimento elas estavam tingindo tecidos da cor lilás, e a cor ficou como símbolo do movimento feminista dos anos 60 até os dias de hoje. Este episódio ficou então  associado a origem do Dia Internacional da Mulher.

Mas afora todas a comemorações, quem iria se atentar para o direito das mulheres nos anos de 1910, 20, quando Anna nasceu? E pensarmos que as mulheres no Brasil tiveram  o direito de votar somente em 1932 e que foi exercido pela primeira vez, em 1935... Ainda, até 1988 o voto era um direito negado aos analfabetos. Tempos difíceis, muito difíceis  para as mulheres...

Os pais

Bem, Anna Aires de Lima,  nasceu em 8 de março de 1906, filha de  Anna Ayres de Lima,  conhecida como Lica, (2a sentada da esquerda para a direita) e José Eugenio de Souza (1884-1951) conhecido como Zezinho, (sentado ao centro). Pontualmente, e eles não perderam tempo, após nove meses do enlace, veio a primeira filha ao mundo: Maria de Souza Lima (1904-1989). Depois seguiram Anna Ayres de Lima (1906-?) a segunda, José Eugenio de Souza, conhecido por Zé Gaguinho, (1908-?), Geralda de Souza (1910-?), Joaquim Souza Lima, o Quincas (1915-?), que foi irmão  gêmeo de Sybastião Ayres de Lima (1915-?), João  Ayres de Lima (1918-1918) e Sylvio Ayres de Lima (1921-)

A família morava no Bairro Trançador, apelido de seu avô  José Fernandes Ayres que deu nome ao bairro de Caxambu. Do terreno onde os seus avós moraram não sabemos como foi adquirido. O que sempre foi contado na família que ele era possuidor de terras que iam até  a divisa da Comarca de Conceição do Rio Verde, terras estas que foram perdidas em disputas jurídicas com a família Carneiro.

Sua mãe era lavadeira de profissão e coordenava os trabalhos da lavanderia do  Palace Hotel. Seu pai também trabalhou lá. Ele era o "faz tudo" no hotel. Nas baixas temporadas, quando os hotéis fechavam e os "aquáticos" voltavam para o Rio e São Paulo, os seus pais se viravam como podiam para dar conta de alimentar a família. A mãe Lica continuava lavando roupa e o marido era o "faz tudo", agora na cidade.

Os seus bisavós, seus avós

Sensu populacional de Pouso Alto, 1839
Mas muito antes de Anna vir ao mundo os seus antepassados já pelejavam na vida. O seu bisavô  João José de Lima e Silva (1798-1875), o mais antigo ancestral da nossa família,  foi contado no Sensu da província de 1839, no endereço Quarteirão 2, Fogo 17, em Pouso Alto. Sua bisavó Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860) estava com 32 anos e o casal tinha três filhos: Virgolina Balbina de Lima (1833-?), José Ignacio de Lima (1835-? ), Thereza Ribeiro de Lima (1837-? ). Na época o bisavô  possuía cinco escravos: Adão, 32, Vicente, 28, Benedicto, 26, Celestina, 38 e José de apenas 10 anos.  Este  é o mais antigo registo da Família Ayres, (foto) cedido gentilmente pelo Arquivo Público Mineiro para o nosso Blog.

Sua avó Maria Ribeiro de Lima (1841-?), que se casaria com José Fernandes Ayres (1835-1897), o Trançador-pai, ou velho como era chamado,  dando origem à Família Ayres, ainda não havia nascido até esta data.

Surpresa! Surpresa!
Esta tudo ligado...

A família dos seus bisavós se mudou em algum tempo de Pouso Alto para o Chapeo,  hoje município de Baependi, provavelmente nos anos de 1850. Ele pode ser considerado um "senhor de escravos" e segundo as minhas pesquisas, possuiu um plantel de aproximadamente 20 escravos, 15 a mais que fora registrado em Pouso Alto. Para a época era considerado  um plantel "médio", como na maioria dos proprietários da Comarca do Rio das Mortes, denominação territorial do Brasil Colonial, onde situava Baependi. O número de escravos pode ser ainda maior e será alterado alterado, a medida que nossa pesquisa avance.


E dentre os escravos, uma surpresa. Para comprovar que a histórias de nossas famílias estavam num  passado longínquo  intimamente ligadas, aqui uma certidão de 1858, em que consta que João José de Lima e Silva, o bisavô  de Anna Ayres de Lima, a Aninha, foi proprietário de... Minha bisavó Justinianna Maria da Conceição. Este fato se comprova ao ler a certidão de Camilo Ferreira Junior, (acima) filho de Justinianna aqui erroneamente escrito como "Justina", batizado por José Florencio Bernardes (?-?), também biografado nosso Blog como "O homem dos Raios" e casado com a tia-avó de Anna, Thereza Ribeiro de Lima/ Bernardes (1837-?) que na época tinha 2 anos de idade (no quadro do Sensu acima).

Nessa data minha bisavó pertencia a João José de Lima e Silva e  que depois de algum tempo foi vendida para João Ferreira Simões. Na certidão de casamento de Justinianna com Pedro, de 20 de outubro de 1888,  cinco meses após a Princesa Isabel ter assinado a Lei Áurea estava lá de fato o  termo "libertos", o que é uma felicidade para nós, mas o nome do seu  ex-dono ainda ainda constava na certidão: "Justinianna, que foi escrava de João Ferreira Simões". (vejam na árvore genealógica abaixo)



Tudo em família



Anna foi batizada, em 14 de abril de 1906, pelo seu tio por afinidade, Ramiro Rodrigues de Freitas  casado com tia Maria José de Lima, a Mariquinha e Ignacia Augusta de Souza, sua avó por parte de pai, abençoada pelo Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira, que celebrou muitos cerimonias de batismo, casamento dos nossos antepassados (foto). Pela constelação de padrinhos parece que naquela época tudo ficava em família.

E como todas as outras mulheres de seu tempo Anna se casou, quando tinha acabado de completar seus 18 anos, em 16 de junho de 1924, com  Ricardo Francisco de Souza, na Igreja Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu. As testemunhas do enlace Pedro Moisés e Sebastião Ferreira. Da união nasceram cinco filhos, todos homens, e ... Pela conta a metade de um time de futebol!


Os cinco Franciscos e um Olímpio


A família com Luis Francisco de Souza

José Francisco de Souza (1923-1991)
Antonio Francisco de Souza/Toninho (1926-2013)
Luiz Franciso de Souza (1929-2016) (foto à direita)
Francisco de Souza/Francisquinho (1930-)
Olimpio Sebastião  de Souza (1941-)
João Francisco de Souza (1944-)

E numa casa com tanto filho homem Anna teve o desejo de ter uma filha, assim "adotou" a neta Luciana, filha do filho caçula dela, João Francisco. Na época "pegava-se para criar", um arranjo que só poderia dar certo dentro da família. Assim foi com João de Deus que foi criado pela tia Mariquinha, quando ficou órfão de pai e mãe. A neta  Luciana criada pela avó a chamava de mãe sem complicações.

O homem enorme com chapéu gigante

Em toda a família aqueles tempos havia os que gostavam de contar "causos", principalmente de assombração. A vó Anna era uma delas. Ao entardecer havia o ritual dos netos irem para a casa dela. A família se reunia na cozinha para escutar as estórias, contou Nilta Almeida, a neta.  A fantasia dos adultos ia longe. "Estórias de Saci, um foguinho que andava no ar, aquela lingüiça de fogo que não queimava..." Coincidentemente estes "causos" já ouvi por boca de outros antepassados, que contaram quase as mesmas estórias. E para aterrorizar mais as crianças era repetida a estória do homem gigante com um chapéu enorme na cabeça, que andava lá no alto do Bairro Trançador, perto da casa de eletricidade... Os adultos aterrados de medo contavam de olhos fixos, esbugalhados, pondo ainda mais medo nos pequenos. Um dia vó Anna ao entardecer foi recolher as roupas no varal e voltou assustadíssima repetindo: "Toninho, o homem enorme de chapéu..." E depois, quem tinha coragem de voltar para a casa na escuridão?

Festa religiosa, campanha política




E os registros fotográficos são testemunhas do seu tempo. Nada melhor que no dia das comemorações  de fé, fazer propaganda eleitoral (foto). Carvalho Pinto, que se candidatou a governador de São Paulo para o pleito, de 1959-1963 e venceu!, pendurou uma faixa bem na frente da Igreja Matriz.  Ah, mas indiferente ao fato, as comemorações religiosas levaram a família viajar em caravana rumo à cidade Aparecida, organizada na maioria pela Paroquia Nossa Senhora dos Remédios, de Caxambu,.

O Aniversário de aparição de Nossa Senhora da Conceição, popularmente chamada de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte, é anualmente comemorado, no dia 12 de outubro. A imagem foi encontrada na rede de pescadores, no ano de 1717 e desde então  os fiéis fazem peregrinações ao local.  Na família a "viagem" era feita em grande estilo, assim digamos. Nesse dia sapatos eram polidos, gravatas, jalecos, ternos, em cujos bolsos ainda guardavam naftalina, saíam  dos guarda-roupas e iam compor a elegante indumentária masculina. Claro que não poderia ficar sem o registro fotográfico, feito pelos Lambe-lambes, em frente a Antiga Igreja Matriz. Naquela época não sonhávamos maquinas fotográficas, com telefones celulares  e nem... "Selfies". Então...

Foto à esquerda: José Francisco de Souza, foto ao alto da esquerda para direita: Nelsinho, Zezinho, Francisco de Souza, Francisquinho, Antonio Francisco, Alvarinha e José Francisco de SouzaJoão Francisco e Olimpio Sebastião.

Orelhas queimando



Não, não, Anna não falava mal de ninguém, nem ninguém falava mal dela. É que ela era fã  de carne de porco. Os médicos desaconselhavam a ingerir a iguaria, mas ninguém a impedia come-la... Às escondidas... Irresistível...  E... As orelhas queimavam. A rara alergia à carne de porco se manifestava nas orelhas, que ficavam vermelhas. Assim ela era logo-logo traída pelas sequelas do pecado cometido.


Na lata!

Anna, cercada dos seus ente queridos
Anna era daquelas que reunia a família, como todas as matriarcas. E parece que cozinha era seu palco. Diferentes guloseimas eram feitas para as festas de fim de ano, figos em calda, arroz doce e...  A especialidade da casa, claro: carne de porco e costelinha na lata. Naqueles tempos tudo se reciclava e as latas de conservas eram reutilizadas, transformando em reservatórios das carnes prontas que ficavam fechadinhas esperando um parente chegar. Sim, aquelas carnes cozidas e temperadas ali curtindo, mergulhadas na banha... Ninguém resistia. Taí, o registro fotográfico não nos deixa mentir.

A família foi crescendo e a vida continuava. Anna estava sempre cercada de seus ente queridos, seu filhos netos. Depois do falecimento do marido, ainda viveu ainda por sete anos com a neta Luciana que cuidou de Anna até os seus últimos dias. Ao contrário das outras três matriarcas aqui biografadas, ela não era uma fortaleza, pelo menos no que diz respeito a estatura e à saúde. Era "miudinha" contou Nilta de Almeida. Pois eu já ia acreditando que Anna Aires de Lima era aquela figura frágil, até que ela no final da conversa me disse ao indagar quantos anos ela viveu, respondeu Nilta: - Noventa e cinco. Disse tudo.




Fotos:
Arquivo privado de Isa de Souza

Primeira a esquerda a Mariinha, filha da Geralda, Maria filha do quincas, Irma da Rita não é parente. Irma da Nilta Vitor antonio, Tiaozinho, filho do Silvio, Antonio  Francisco, Pai com a irmã Neusa, João filho da vó, tio da Nita,  Sebastiao Olimpio, filho de Anna, terno escuro no meio, filho do Quincas, Joaquim, de terno preto, de terno branco (?), esposa do Silvio, a Conceceicao com a Francisca no colo, SilvioSenhora de gola branca vo aninha,, do lado, a sua mãe, esposa do Quincas, Marieta,  Geralda é irma da vó aninha, do lado "modelo", avó por parte de mãe, Ana Vieira de Carvalho. Marido da vó Aninha Francisco Ricardo de Souza,  chapéu do lado o Quincas, Rita esposa do Tiao, e o Tiao filho do Maneco.

domingo, 2 de outubro de 2016

O Matadouro de Caxambu e sua história





"Lá no final da cidade, ou no começo dela, dependendo de onde se vinha, ficava o Matadouro. Perto de casa, caminhada curta para os adultos, para as crianças era uma aventura. Interessante pelo que era, tinha a coisa agourenta que tem todo lugar onde a morte ronda, mas para a criançada era oportunidade de uma boa caminhada e ativação da imaginação."

Mas antes de deixar a Janice Drumont, a nossa vizinha de frente, na Rua Quintino Bocaiúva, contar suas impressões sobre o lugar, vamos voltar lá nos idos de 1881, quando numa seção presidida pelo presidente da câmara dos vereadores de Baependi, o Coronel Justo Maciel, recebeu a petição de Vicente Peixoto para a construção de um matadouro em Caxambu,  onde mais tarde o nosso bisavô, José Fernandes Ayres, Trançador-velho e  meu avô José Ayres de Lima, o Trançador-filho adquiriam couro, matéria prima para o seu trabalho.

Em ata do 2° dia da Seção Ordinária do dia 22 de janeiro de 1881, foi lida a tal petição de Vicente Peixoto e deliberado que o vereador José Ribeiro "se entendesse com o proprietário sobre a indenização do terreno preciso para tal fim", noticiava o jornal O Baependiano.  Lembrando que naquela época Caxambu pertencia a Comarca de Baependi e vindo se separar dela somente, em 1901, sendo assim as decisões politico-administrativas estavam sob sua jurisdição.

Somente quatro anos mais tarde as obras foram iniciadas, demonstrando a morosidade do poder público. No dia 21 de outubro de 1885,  o Matadouro em construção  recebeu a visita do Tenente José Francisco Maciel, presidente da Camara Municipal de Baependi, a qual a obra foi dada pela sua administração  e cujo  vice-presidente,  João Frauzino Alves Pereira foi encarregado de sua execução.

"O Matadouro esta sendo construído em logar apropriado, à margem do Bengo, abaixo da povoação, em terreno comprado do Sr. Manuel de Seixas Baptista, por 150$00.

E um quadrado de 20 braças de lado , e dentro do qual constroe-se um telheiro de 20 braças em quadro, pouco mais ou menos para a  matança."

Ah, Manuel de Seixas Baptista, para lembrar,  foi o padrinho de batismo de Manoel Ayres de Lima, (1866-1908) o filho do José Fernandes Ayres (1834-1897), o Trançador-pai.

Mas  três anos depois de construído, "em lugar apropriado, à margem do Bengo", como foi relatado acima, e exatamente por essas razões, começaram os problemas. "Achando-se ele em logar muito baixo e muito perto do córrego Bengo, é inundado sempre pelas enchentes do córrego, ficando o pavimento coberto de lama e areia de maneira a não poder se servir. Acresce que, sendo pavimento de pedras roliças e mal ajustadas, e tende-se parte destas despregado, contem elle fendas por onde penetra o sangue, que coagulando-se e decompondo-se, produz exalações prejudiciais à saúde pública."
As exalações odoríficas eram um problema, pois estando próximo a estrada eram sentidas pelos transeuntes e os cavalos, que  ao passarem pelo local "refugavam, pondo assim seus donos em perigo". A proposta do jornal era que o Matadouro fosse removido para outro lugar, mas contraditoriamente escreve adiante: "O telheiro deve ser construído com a altura necessária  para comportar o sarilho."
Assim era. A falta de planejamento e com outros parâmetros de higiene as obras eram feitas sem a fiscalização de profissionais competentes. E o resultado ao passar dos anos, o matadouro não atendia mais às necessidades de higiene no abate dos animais.




"Na visita que ha dias fizemos ao matadouro deste lugar verificamos a necessidade de remover o actual telheiro para melhor logar, que o ha dentro do terreno desapropriado, reconstruído-em melhores condições, com o melhor pavimento, e com a altura suficiente para comportar o sarilho do Sr. Julio Nobrega. (sarilho, equipamento que serve para elevar ou rebocar cargas).
 O esquartejamento por meio do sarilho é um processo achado, com o que melhor se esgotam as rezes e se evita que matérias estranhas se misturem à carne.
 O cavalheiro a quem nos referimos propõe-se a fazer as obras necessárias no matadouro, medeante a quantia de 500$, sendo 300$ para receber na ocasiono de entregar a obra e o resto para se descontar nos impostos que elle tem de pagar.
 Esperamos que nossa câmara municipal prestará attenção ao assunto: uma povoação, como esta, precisa de ter um matadouro, ao menos aceado.
 Ella examinará a proposta do Sr. Julio Nobrega, cujas condições nos parecem acceitaves, si não excelentes, para resolver como  julgar mais acertado, mandando examinar as obras". O Baependiano, 1888.

E pela importância que tinha o comércio da carne para a região e para a   Província de Minas, em 25 de março de 1888 é dado o reconhecimento da necessidade de reformas no prédio. Exatamente como descrito no Jornal O Baependiano,  o piso foi elevado e no centro do prédio, o palco central onde os animais eram sacrificados (foto).

Oportunamente o senhor Julio Cunha da Nóbrega tinha acabado de se mudar de Barra Mansa para Caxambu com a família, em 1886 e abriu na cidade uma "casa de negócios" e açougue. Ele pareceu estar disposto a ajudar na reforma do prédio pela sua experiência no ramo de carnes. A metade dos custos seriam pagos pela prefeitura ao concluir a obra e a outra seria descontada dos impostos. Ve-se aqui que o poder público tinha pouca ação e deixou a cargo de um privado a execução das obras necessárias, com todos os riscos...

Mas o problema do Matadouro continuava sendo sua localização.  O fiscal de Caxambu, José Teixeira Leal, comunicara a câmara o mal estado das estradas. Perto do Bengo e das enchentes, as ruas que davam acesso ao Matadouro ficavam intransponíveis com as chuvas, impedindo a passagem dos animais e carroças. Mais uma desculpa, ou argumento, para os donos das vacas mudarem o local de abate fazendo-os nos pastos... Um cidadão chegou a escrever para o jornal reclamando do lastimável estado da estrada a ponto das carroças que serviam ao transporte de carnes atolarem no lamaçal. No caso da estrada, o reclamante sanou o problema do próprio bolso "mandando fazer no valo uma estiva à sua custa", isto é, colocou madeira formando uma esteira onde passavam as carroças.

As reformas foram feitas e o prédio (foto) ficou nos conformes. Mas... Resolvido os problemas com a reforma do prédio, outro problema não menos importante veio à tona: A falta de um profissional para o controle sanitário dos animais. Em visita ao matadouro, o Jornal noticia: "A propósito lembramos à necessidade de um médico para o matadouro, e esperamos que nossa Camara Municipal se ocupara de nomear um." Reformaram o prédio e esqueceram da saúde dos animais e da saúde dos consumidores. Eita!

E tudo se tranforma...

E de notícia em notícia Julio Nobrega, apresentou uma vaca abatida, cujas "entranhas do animal que se achavam eivadas de tubérculos". Muito nobre por parte do dono do açougue por a público a saúde de sua mercadoria, mas como nada era desperdiçado ele resolveu transforma-la em sabão. E pensar que, em 1882, Robert Koch descobriu o agente infeccioso da tuberculose e sendo que os primeiros dispositivos legais instituindo a aplicação obrigatória do teste que diagnosticava a doença nas vacas, em 1897, no Rio de Janeiro e 1898, em São Paulo. Que dizer nos rincões das Minas Gerais, no Matadouro de Caxambu que nem veterinário tinha? Eles não sabiam que o manuseio da carne contaminada, também poderia  transmitir a doença   para os humanos...


Taxa mendigo

E  para resolver as graves desigualdades sociais da velha Caxambu dos anos 40, houve uma soluçao no mínimo criativa. O prefeito Dr. Lysandro Guimarães, institui em 30 de abril de 1948 a "Taxa de transporte para o gado abatido no Matadouro Municipal". No parágrafo 2° consta que as taxas estariam sujeitas a cobrança de 10% para "socorro ao Mendigo". Gostaria de saber como era administrada esta taxa na prática...

Entrou década e saiu década. Da petição expedida no ano de 1881 até hoje se passaram 135 anos. Nós crianças nos anos 60 íamos assistir o espetáculo da morte à marretadas. Acredito que os métodos de abate não mudaram até esta data. O Matadouro teve no início dos anos 70 seus dias contados. E de estação final para as pobres vacas o prédio histórico,  no  Bairro Santa Rita, até tinha lá seu charme e poderia ter tido outro destino que servir à carceragem da cidade. Façam uma visita virtual.

Fonte: 
O Baependiano,1877-1889
O Patriota, 1917-1951
Fotos: 
Autoria desconhecida