domingo, 12 de novembro de 2017

A Casa Oriental / Viúva Niman e Filho e a Família Ayres




A Casa Oriental faz parte não somente história da Família Ayres, mas também da história econômica e política da cidade de Caxambu. Em 22 de outubro de 1954, Arminda Maria Ayres fez lá suas compras e, na "Nota de Balcão", estava descrita  a compra de tecidos, seis botões e um carretel de linha, totalizando Cr$111, 30. Muitos anos se passaram e o recibo ficou guardado numa cadernetinha que achei nos pertencentes do meu pai e trouxe comigo para a Alemanha. Hoje, abri aqui a relíquia e... a Casa Oriental estava lá. E assim resolvi a escrever sua história.



Voltarei aqui citar David Nasser jornalista da Revista O Cruzeiro, ele também filho de imigrantes libaneses, que morou, até os 14 anos, em Caxambu. 

Tudo ali era português, a começar da loja dos Guedes e terminar no sonhador que descobrira as fontes de águas mineral, o Venâncio. Depois começaram a emigrar de Baependi os italianos- e Caxambu se encheu dos Viottis. Os sírios, os libaneses, os humildes turcos chegaram depois e o Bechara, o José Calil, o Abdallah, os Sarkis, mascates de uma genialidade itinerante que punha no chinelo a matreirice mineira foram os antecessores do meu pai no lugar.

O fim da escravidão e a mão de obra imigrante

No início da década de 1870 o Sul de Minas contava com uma população de 352.001 habitantes,  72.223 escravos, sendo assim a região com o segundo maior plantel de escravos da província mineira. A grande concentração de escravos tornou-se um problema para os seus proprietários e agricultores  antes, durante e após a libertação dos escravos e o tema era relevante nas discussões políticas feitas nos jornais. Assim o governo incentivou a imigração de estrangeiros, braços para tentar substituir a mão de obra escrava e também para "branquear" o país. Mas os argumentos não se concretizaram em estatísticas, pois os imigrantes não eram em grande número e os núcleos de colônias instalados na região não foram tão grandes. Também a utilização da mão de obra em fazendas particulares não vingou. Na verdade, a imigração para o Sul de Minas não foi tão significativa. De acordo com os relatórios oficiais do governo, assinalados por José Rufino Bezerra Cavalcante, entraram 2.433.167 imigrantes no pais entre os anos de 1891 a 1914. A metade deles foi para São PauloMinas recebeu apenas, 104.942 correspondendo a 4,3% do total de estrangeiros. Eles chegaram e foram para as terras compradas pelo governo, formando várias colônias. No inicio os imigrantes dedicaram a agricultura, e foram devagar ocupando o cenário urbano das pequenas povoações.

Do Líbano para Minas

Entre o final do século XIX e primeira metade do século XX chegaram ao Brasil numerosos imigrantes sírios, oriundos da cidade de Iabrud, cidade próxima a fronteira do Líbano, a 80 quilômetros de Damasco. 90% dos imigrantes entre os anos de 1890 e 1930, eram cristãos. 130 de sobrenome Arbex, segundo o Arquivo Nacional, desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro. Eram homens, mulheres e crianças. Vieram em família ou jovens sozinhos, esperando fazer vida e fortuna no Brasil. Ha vários registros dos Arbex pelo interior de Minas, Três Corações, Luminárias, Lavras, Carrancas, Juiz de Fora, Cruzília e... Caxambu, na pessoa de Jamile Felipe Arbex/Niman. Pelo desconhecimento de geografia, "muitos dos imigrantes que partiram de Beirute, não estavam certos onde estavam indo, ou onde desembarcariam em definitivo. O fato de se dirigirem à "America", com as oportunidades que ela oferecia,, era tudo que os movia"(1). No assento de batismo de seu filho Nicolau Niman, datado de 26 de outubro de 1912, na cidade de Cruzília, consta que seus pais eram "naturais da Turquia Asiática", os "turcos-árabes", (denominação utilizada pelo Censo), uma simplificação, colocando imigrantes de diferentes regiões como "turcos". De fato, em Caxambu, para nós todos aqueles que não falavam a língua portuguesa eram considerados "turcos".

E Nasser acima nos dá uma pista: os imigrantes eram "mascates, de uma genialidade itinerante", isto é, vendedores ambulantes. O comércio de produtos de porta em porta era encarado como atividade temporária e o caminho natural depois de alguns anos, era a abertura de uma loja no ramo de tecidos, armarinhos. Na sua trajetória, os sírios dedicaram-se, em sua maioria, às atividades urbanas, principalmente, aquelas ligadas ao comércio, como aconteceu na família. Primeiramente os Nimans  foram recebidos pelo Barão de Maciel na  Fazenda da Roseta, e lá trabalharam por curto tempo, juntaram suas economias (foram também mascates?) e abriram um pequeno negócio em Baependi, por volta do ano de 1910. Era uma pequena casa de secos e molhados em Baependi e, mais tarde, no ano de 1919, vieram a se estabelecer em Caxambu.


1- A matriarca Chabuh Calil Jabur Arbex, mãe de Jamilie Felippe Arbex/Niman
2- Adelina Levehagen de Carvalho/Niman, Nicolau Niman e Jamilie, em Ubatuba
3 - Registro da Casa Oriental na coletoria de impostos de Baependi/Cruzília
4- Certidão de nascimento da primogênita Adelia Arbex/Niman
Jamilie Felipe Arbex, a viúva Niman

"Phosporos, calçados, chapéus, sal, velas, conservas, ferragens, louça e vidros, etc, etc.". Os artigos constavam do registro na Coletoria Federal da cidade de Baependi do ano de 1917, e nos diz o que era comercializado no armazém dos Nimans. Fundada em 1919 por Salomão José Niman e Jamilie Felipe Arbex Niman, a Casa Oriental teve o seu alvará de funcionamento em Cruzilia, que se chamada São Sebastião da Encruzilhada e na época pertencia à jurisdição de Baependi. Nos arquivos de Cruzília consta o nascimento do seu primeiro filho, Salomão. Eles tinham o "faro" para o comércio, e Caxambu prometia mais. A família e os negócios se mudaram no momento certo para a hidrópolis. A cidade viveria uma grande reforma urbana no governo de Camilo Soares (1912-1916), que a transformaria numa das mais belas e importantes estâncias de veraneio e veranistas de todo o Brasil.

Jamilie Felipe Arbex chegou solteira, em companhia de parentes e conhecidos da mesma cidade, e logo foi para a igreja para se casar com Salomão.  Não se sabe se eles se conheceram durante a viagem ou já se conheciam antes, pois procediam da mesma cidade, Yabrud. O dito foi que, se  o do casamento não desse certo, podia ser dissolvo, o que era uma bobagem, conta o neto Fernando Niman. Ainda bem que deu certo, retrucou ele. Infelizmente, em 1929, Salomão Niman veio a falecer em consequência de sequelas provocadas por um acidente, causando sua morte prematura. O acidente aconteceu quando foi ferido na cabeça, na escola na Síria. Assim foi contado na família.  

Então Jamilie Felipe Arbex Niman tomou a frente dos negócios junto com o filho mais velho Nicolau Salomão Ninam, que na época tinha 17 anos e não gostava de comércio. Na verdade queria ser carroceiro. Ah, os jovens! A loja  passou então a se chamar Viúva Niman e Filho

Jamille era uma mulher bonita, inteligente, independente e sofria com as insistências dos vendedores que a queriam namorá-la. O seu caráter foi moldado pelas dificuldades da vida. Era uma mulher objetiva, sem refinamentos, conta o neto, chegando mesmo a ser rude. Mas o que esperaríamos de uma mulher, no início do século, sozinha a criar seis filhos e ainda à frente dos negócios da família? Os desafios eram enormes e ela não teve outra alternativa que aceitá-los. Jamille veio a aprender o português muito mais tarde, com a professora Amélia Rosa "para ler a bíblia", na época do Mobral, pois até 1950 lia e escrevia só em árabe.

Histórias ou estórias da velha Malaquias / A demolição 

Foto 1: Nicolau Inca, Jorge, Luiz Brandao, José Miguel
Foto 2: Carros de boi para carregar e descarregar material da demolição.
Foto 3: A demolição 
Onde hoje funciona a Casa Oriental existia uma casa antiga com um grande terreno que, segundo contava uma figura folclórica da cidade, a velha Malaquias, ali fora a casa de nascimento de  Luiz Gongaza, o Rei do Baião. Ela era indignada, pois Gonzaga nunca citou o fato em sua biografia. "Ela tinha mil histórias" disse Fernando Niman. A história ou estória agora faz parte da lenda, e não ha provas concretas do fato. Gonzagão, oficialmente, nasceu em Exu, Pernambuco. O certo é que, em 1940, a família comprou o terreno e casa velha, onde a loja havia se instalado. Então o prédio foi demolido, e iniciada a construção da Casa Oriental como é hoje. O projeto arquitetônico foi do suíço Novak e a construção ficou a cargo do austríaco Rodolfo Weber, residente em Caxambu.

A construção

Foto 1: As obras em pleno andamento, foto 2: os operários,
foto 3: A primeira estaca batida e as bênçãos do padre José Leal,
Foto 4: as obras bem adiantadas, foto 5: a Casa Oriental pronta.
A viúva se empolgou com a arquitetura da construção no Hotel Glória Novo e convenceu o filho Nicolau Niman a contratar um arquiteto para o projeto do seu estabelecimento. Com as paredes postas abaixo, chegou o dia do padre José Leal benzer a obra, com a inauguração da primeira estaca batida no dia 7 de outubro, uma quinta feira, às 16:30 horas. Presentes arquiteto Novak, o mestre de obras Rodolfo Weber, seu Amancio, José Rafael, que me tinha alugado parte de sua loja, em frente às obras, para que a Casa Oriental continuasse a funcionar.  Mas, como o mundo estava em guerra, as obras se arrastaram por cinco anos. Faltava tudo, inclusive cimento para a construção. Ao lado prédio da loja, foi construído o Hotel Oriental  que funcionou de 1945 a 1950.

100 anos de história/ De caixa de fósforos, pregos, velas e fumo à bolsas da Prada italiana

Se formos somar, a família e a Casa Oriental passaram pelos mais importantes acontecimentos históricos do Brasil dos últimos 100 anos. A primeira Guerra Mundial de 1914, a crise econômica de 1929, quando da queda da Bolsa de Nova York, a ditadura de Getulio Vargas, na década de 1930/40, a segunda Guerra Mundial de 1945. No auge da economia caxambuense, quando a cidade fervilhava de turistas, a casa chegou a vender produtos da marca Prada italiana! Altas marcas, altos preços! Claro que havia público para os artigos de luxo. Estávamos no auge das estações de veraneio e os cassinos funcionando a todo vapor. Com a proibição do jogo  no Brasil, em 1946, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, os hospedes e clientes bem aquinhoados debandaram. Os artigos de luxo, excluídos do sortimento, e o hotel ao lado da loja não era mais rentável, sendo transformando em residência da família.

Nos anos 1980, com a fabricação de roupas em massa, as costureiras não eram mais requisitadas, nem os tecidos da Casa Oriental, assim tiveram novamente que se adaptar ao bolso dos seus clientes. E pensar no borrador do Armarinho  e na lista das mercadorias exóticas para a modernidade de hoje como talco, tecidos, pregos, lampiões, chapéus, velas, fósforos. Hoje a casa se concentra nos produtos de tradicionais de cama, mesa, banho, confecções e roupas íntimas e conserva ainda o seu caráter de empresa familiar.

Neste histórico estabelecimento minha mãe comprava tecidos para confecção dos uniformes escolares, bem como cobertores, colchas, lençóis e enfeites para a árvore de Natal e... carréteis de linha e botões (foto). O vendedor preferido pela minha mãe era o sempre prestativo e paciente  Onofre Edson dos Santos, quem a gente chamava de Tenório, funcionário "quase" antigo como a casa. Entrou la com 12 anos de idade e saiu vovô, conta Fernando.

Os filhos, como em todas as famílias e gerações tiveram outros planos. Dos filhos de Jamile e Salomão, um se tornou dentista, o Doutor Niman,  outro advogado, Jorge Niman, e foi para o Rio de Janeiro; outro ainda, José Niman, taxista, que permaneceu em Caxambu; Adelia, que se casou e se tornou dona de casa mudando para São Paulo. Mas Cecília Niman, que trabalhou como  professora, não resistiu ao chamado dos negócios, pois estava no sangue. Ela fundou a Casa Vitória, em São Lourenço, também um empreendimento familiar e já assumida pela 3a geração, assim como a Casa Oriental, em Caxambu, que tem à frente Fernando Niman, também na 3a geração.
Desejamos que a Casa Oriental continue servindo aos seus clientes e continue a escrever a história econômica da cidade de Caxambu.
Fotos:
Arquivo privado da Família Ayres
Arquivo privado da Família Niman
Anuncio do Contrato  com a Companhia de Imigração e Colonização Mineira, in O Baependiano, 1889.
Fonte:
Casa Oriental/Face Book
Página da Familia Arbex net
Truzzi, Oswaldo - O lugar certo na época certa: sírios e libaneses no Brasil e nos Estados Unidos- um enfoque comparativo.
Dornelas, Juliana Gomes -  Na America, a esperanca: os imigrantes sirios e libaneses e seus descendentes em Juiz de Fora, Minas Gerais (1890-1940), Juiz de Fora, 2008.
Junior, Paulo de Souza- Ocupação Urbana do Município de Araxá do século XVII ao início do século XXI, Araxá, 2008.
Castilho, Fabio Francisco de Almeida, in A transição da mão de obra no Sul de Minas: o braço imigrante e nacional nos periódicos locais, 2011.
Revisão:
Paulo Barcala
Agradecimentos: 
Agradecimentos muito especiais a Fernando Ninam pelas preciosas informações e as belas fotos do arquivo  pessoal da Família Niman, que ajudaram a escrever este texto.

Façam uma visita virtual: Casa Oriental em Caxambu

2 comentários:

  1. Acho que perdi meu pai, fiquei sendo filho de mãe solteira e seu pai perdeu um amigo Solange rs... Bar dos Esportes, padaria Caxambu rs...

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  2. Perdi o sono e zapeando daqui prá lá, encontro essa narrativa maravilhosa, parece um romance daqueles que a gente não quer que acabe ao mesmo tempo devora a leitura. Minha mãe
    falava quando queria que comprássemos algo lá, não falava Oriental, dizia: vai lá na dona Jamile. Parabéns! Amei saber de tanta estória!

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